Casos excepcionais de alistamento militar abriram caminho para green cards e cidadania americana, mesmo sem visto prévio
WASHINGTON, DC (AGOSTO 6, 2025) – Uma das vias mais inusitadas para obter a residência permanente nos Estados Unidos passa diretamente pelos quartéis do Exército, da Marinha ou da Força Aérea. Embora o alistamento militar normalmente esteja restrito a cidadãos americanos ou residentes permanentes, há registros de estrangeiros que conquistaram o green card graças à prestação de serviço militar com mérito excepcional.
Segundo o advogado licenciado nos Estados Unidos, Brasil e Portugal e CEO da Bicalho Legal Consulting P.A., Vinicius Bicalho, o exemplo mais emblemático foi o programa MAVNI, sigla para Military Accessions Vital to the National Interest, que permitia o alistamento de estrangeiros com habilidades consideradas estratégicas para o país, como proficiência em línguas críticas e formação na área da saúde. Criado em 2008, o MAVNI foi suspenso em 2016 por motivos de segurança nacional, mas o seu legado jurídico ainda serve de base para exceções pontuais.
Mesmo com o encerramento do programa, o Congresso e o Departamento de Defesa continuam autorizando casos individuais em que o serviço prestado por um estrangeiro tenha tido relevância humanitária ou impacto direto na segurança nacional. Um exemplo marcante são os tradutores e intérpretes que atuaram ao lado de tropas americanas em zonas de conflito como Afeganistão e Iraque. Muitos desses profissionais eram cidadãos afegãos recrutados por forças militares dos Estados Unidos para facilitar a comunicação com a população local, ajudar em negociações com líderes tribais e intermediar operações sensíveis.
Esses tradutores enfrentavam sérios riscos de vida ao colaborar com os americanos e, após o término das missões, tornaram-se alvos de perseguição e ameaças em seus países de origem. Como resposta, o governo dos Estados Unidos criou um programa específico de vistos especiais conhecido como Special Immigrant Visa, que conduz à concessão do green card sob a categoria EB-4, voltada a imigrantes especiais. A categoria EB-4 também abrange outros grupos como membros religiosos, funcionários de organizações internacionais e tradutores militares com recomendações oficiais.
Casos recentes ilustram a fragilidade desses intérpretes mesmo após sua entrada legal nos Estados Unidos. Zia S., pai de cinco filhos, trabalhou diretamente com tropas americanas durante anos e chegou ao país com autorização humanitária em outubro de 2024. Mesmo com seu SIV aprovado e processo de green card em andamento, foi detido pela imigração durante uma simples consulta biométrica em Connecticut. Um juiz federal precisou intervir para impedir sua deportação sem prévio aviso. Outro caso é o de Sayed Naser, intérprete militar que atuou em Cabul entre 2011 e 2013 e mais tarde abriu uma empresa de logística a serviço dos americanos. Após fugir para o Brasil e entrar nos Estados Unidos, ele foi detido durante a primeira audiência de asilo em San Diego, mesmo com documentação que comprovava seu serviço prestado.
Bicalho destaca que, além de preencher os requisitos técnicos, esses profissionais precisam apresentar documentação militar que comprove sua atuação, cartas de recomendação de superiores das Forças Armadas americanas e histórico de risco pessoal devido à colaboração prestada. O caso dos tradutores é um exemplo claro de como o serviço prestado aos Estados Unidos pode ser reconhecido juridicamente como de interesse nacional, permitindo o ajuste de status e a residência permanente.
O advogado lembra ainda que viúvas e viúvos de militares americanos mortos em combate podem solicitar o green card mesmo que estivessem em situação migratória irregular no momento do falecimento do cônjuge. Em todos esses cenários, o Departamento de Homeland Security tem a prerrogativa de autorizar o ajuste de status com base no interesse nacional e nos critérios de mérito.
Em um contexto global cada vez mais marcado por conflitos, deslocamentos forçados e alianças estratégicas, o serviço militar se apresenta como uma alternativa legal, ainda que pouco conhecida, para estrangeiros que desejam recomeçar a vida nos Estados Unidos e contribuir ativamente com a nação.